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Filipa Coelho, presidente da Associação VilacomVida e Joyeux Portugal, fala-nos sobre a importação do conceito de cafés-restaurantes solidários e inclusivos e a necessidade de difundir este tipo de projetos para uma maior sensibilização relativamente a jovens-adultos com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento.

No que consiste o conceito do café Joyeux e qual o seu objetivo? 

O Café Joyeux é a primeira família de cafés-restaurantes solidários e inclusivos que tem por missão trazer a diferença para o centro das nossas vidas e das nossas cidades, empregando – para então formar – jovens-adultos com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento (DID). Para convidar cada vez mais pessoas a conhecerem a mais-valia na diferença, os cafés-restaurantes Joyeux propõem uma carta deliciosa, composta por pequenos-almoço, almoços e lanches, produzidos no local com produtos frescos e da estação, por uma equipa inclusiva e motivada composta por estes jovens e por tutores especializados na área da restauração, que têm por objetivo ajudar estes jovens a serem colaboradores autónomos e polivalentes no setor da restauração. Para favorecer esta autonomia, todos os processos, receitas, equipamento, comunicação, são pensados de forma inclusiva.

Fotografia: André Seabra Moura

Como surgiu esta ideia inclusiva? 

A Associação VilacomVida, IPSS nascida em 2016 com o objetivo de aproximar a sociedade da diferença, para desmistificar preconceitos e assim beneficiar a inclusão de pessoas com dificuldades intelectuais e do desenvolvimento (tais como trissomia 21 ou as perturbações do espectro do autismo), preparava-se para lançar um conceito de restauração inclusiva muito semelhante – o CafécomVida – que esteve aberto como projeto-piloto deste modelo durante 18 meses em Santos. Quando soubemos da abertura dos Cafés Joyeux em França – em vez de “reiventarmos a roda” – convidámos a marca a internacionalizar a sua presença e missão, começando por Lisboa, e por termos a mesma visão sobre esta necessidade de incluir a diferença naturalmente nas nossas vidas, ela imediatamente aceitou. 

A história dos Cafés Joyeux, por seu lado, começou quando numa viagem de barco, o fundador dos Cafés Joyeux, Yann Bucaille, foi abordado por um jovem com autismo, o Theo (hoje imagem no logotipo), que lhe disse: “Capitão, eu gostava muito de ter um trabalho e de me sentir útil. Tu que és empresário, podes arranjar-me um emprego?”. Perante a resposta negativa por parte de Yann Bucaille, o jovem ficou triste e esta tristeza incomodou o fundador dos Cafés Joyeux, levando-o a criar este projeto, juntamente com a sua esposa, Lydwinne Bucaille.

Fotografia: André Seabra Moura

Qual o destino dos lucros gerados pelo café Joyeux? 

Todo o lucro destina-se a ser reinvestido na abertura de mais cafés-restaurantes Joyeux, para assim criar mais postos de trabalho – tudo para que estes super-heróis possam mostrar aquilo de que são capazes.

 

Qual a maior dificuldade que sentiram para a abertura do café Joyeux em Portugal? 

Por um lado, a localização de um espaço central que ao mesmo tempo permitisse cumprir um plano de negócios sustentável e, por outro, a procura do investimento necessário para a primeira abertura – angariação de fundos que ainda decorre neste momento junto de particulares e empresas para pagar os custos do investimento necessário à abertura do Café-Restaurante Joyeux em Lisboa.

O modelo de investimento para a abertura de cada Café Joyeux em França, e agora também em Portugal, assenta na angariação de fundos feita junto de doadores empresariais e particulares, que apoiam a compra dos equipamentos, obras, decoração e fundo de maneio para os primeiros 3-6 meses. Passado este período, todos os custos decorrentes da operação serão cobertos pelo negócio social e os lucros existentes serão reinvestidos na abertura de mais cafés-restaurantes Joyeux, para assim poderem ser proporcionados mais postos de trabalho. O plano de expansão prevê que com cinco cafés-restaurantes Joyeux abertos será atingida a sustentabilidade do projeto. Para além de Portugal, o Café JOYEUX tem previstas outras aberturas internacionais nos próximos meses: Bruxelas, Genéve e Nova Iorque.

Fotografia: André Seabra Moura

Sente que já existia necessidade de Portugal dar um passo em frente na inclusão de pessoas com dificuldades intelectuais? 

Sim, totalmente. Existe um trabalho extraordinário que é efetuado por instituições especializadas na área da deficiência há muitos anos, mas, através das respostas subsidiadas que existem atualmente, o Estado continua a não favorecer, por não trazer estas respostas para mais perto de todos nós – este segmento da população – aqueles que, tendo uma dificuldade intelectual e do desenvolvimento, têm, quando devidamente estimulados e em contexto inclusivo, capacidade para se tornarem profissionais autónomos e não subsídio-dependentes ou estarem ocupados em vez de serem profissionalizados para terem o seu próprio rendimento e independência. As pessoas têm medo daquilo que não conhecem. Será por isso mais fácil que, conhecendo e estimulando, na perspetiva social e humana de cada um, a relação com a diferença, seja mais natural, intuitivo e fácil também que cada um de nós – enquanto empregador, professor, colega – possa também incluir mais naturalmente alguém dito “diferente” na sua vida.

 

Não sendo esta a realidade presente no dia a dia comum da maior parte dos portugueses, sente que existe alguma barreira à adesão por parte das pessoas, ou tem feito um grande sucesso? 

De forma alguma. Já do tempo do CafécomVida sentimos que tudo o que é preciso é convidar as pessoas, criar oportunidades naturais e positivas de proporcionar que todos possamos conhecer a diferença – ou a vida como ela é – , envolvê-las na missão com algo fácil, simples e natural, e não colocarmo-nos na posição de pedir ajuda. Desta forma as pessoas acabam por perceber que podem ter um dois em um – continuar as suas vidas, – neste caso ir almoçar ou beber um café a um local agradável, onde comem bem, são bem atendidos – e ainda se sentem úteis a apoiar uma causa em que acreditam. Por tudo isto a adesão tem sido extraordinária – e estamos particularmente gratos a todos quantos – como vocês – nos ajudam a divulgar este projeto, pois só assim conseguiremos demonstrar a cada vez mais pessoas a grande mais valia e potencial transformador que existe na relação com a diferença.

Fotografia: André Seabra Moura

Quais os próximos passos para este projeto?

Iremos em breve – até ao final do primeiro semestre de 2022 – abrir um novo Café-restaurante Joyeux em Cascais, num espaço fabuloso que já encontrámos, junto à Baía de Cascais. Aqui empregaremos cerca de 10 a 12 jovens-adultos com este perfil e daremos novas oportunidades à sociedade de desmistificar preconceitos e conhecer as capacidades extraordinárias destas pessoas. O nosso plano de expansão prevê a abertura de 5-6 cafés-restaurantes até 2026 em diversos pontos do país. Apenas precisamos de angariar o investimento necessário para tal, convocar as equipas-piloto locais para nos apoiarem nesta angariação – replicando assim o modelo francês – e assim podermos todos fazer parte desta missão nacional.

Filipa Pinto Coelho

Foi quando engravidou do seu terceiro filho – Manuel – a quem foi diagnosticado Síndrome de Down na 15ª semana de gravidez – que a sua vida e percurso profissional mudaram completamente. Amor e Paixão comandaram o resto da sua história até agora. Ela usou o seu know-how para criar um projeto de empreendedorismo social chamado CafécomVida, em nome da ONG que criou juntamente com um grupo de pais de crianças com deficiência cognitiva – VilacomVida -, cuja missão é transformar a vida das pessoas promovendo uma experiência baseada na qualidade com jovens adultos diagnosticados nomeadamente com Síndrome de Down e Autismo, permitindo-lhes mostrar ao mundo os seus super-poderes ocultos. Agora ela representa exclusivamente, em nome de VilacomVida e Joyeux Portugal, a primeira família solidária e inclusiva de coffee-shop que emprega e forma pessoas espantosas com deficiência cognitiva, convidando toda a sociedade portuguesa a ligar-se e a familiarizar-se com a riqueza para além da diferença: Café JOYEUX.

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