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lixo é luxo

O que alguns consideram “lixo”, outros consideram “luxo”.  No meio de retalhos de tecidos e botões antigos nasceu a Daniela Ponto Final. Esta marca portuguesa dá uma nova vida à matéria-prima que já existe, produzindo peças únicas e cheias de personalidade.

Daniela Duarte contou-nos a sua paixão por transformar materiais antigos em peças jovens e atrativas nos dias de hoje. A oferta da indústria da moda não a satisfazia, e por isso criou a Daniela Ponto Final para que quem usa as suas peças nunca se sinta “mais um(a)”.

A Daniela Ponto Final nasceu em 2010, numa altura em que a sustentabilidade não tinha o peso que hoje tem na indústria da moda. De onde veio a ideia para esta marca que desde o início assumiu um compromisso sustentável?

Na verdade, a marca surgiu como uma necessidade pessoal de dar resposta às minhas expectativas relativamente ao vestuário e enquanto consumidora de moda. Desde muito pequenina que vestia (e ainda visto!) peças de roupa feitas pela minha avó Fernanda, cresci no meio dos “trapos” e dos sapatos nos negócios da família e, talvez, de alguma forma, esse contexto tenha influenciado o meu percurso. Não me identificava com a oferta da indústria, nunca quis ser “mais uma” na forma como expressava através do guarda-roupa e, como tal, quando comecei com a daniela ponto final também não faria sentido traçar o rumo de outra forma.

Comecei por produzir peças para mim com a ajuda preciosa da minha avó e com restos de tecidos das clientes dela, ou com pequenos retalhos comprados em comércio local e, na verdade, não tendo o compromisso ético e moral da Sustentabilidade na Moda assumido, todo o processo e caminho tem sido esse desde o começo; fornecedores locais, preferência e valorização da produção local (costureiras em casa e/ou pequenas confeções familiares), condições e remuneração do trabalho adequados, eu própria vou para a máquina de costura, produções de pequena escala, peças únicas, personalização dos produtos como serviço prestado aos clientes…atualmente leciono Sustentabilidade na Moda na ESART-IPCB e há medida que preparava as aulas teóricas, dava comigo a reconhecer e validar muitas das opções que fui tomando e acredito serem mais corretas nesta área no que diz respeito ao meu trabalho.

DPF retalhos de tecidos

“O que fazer com o que já existe?”: esta questão retrata um dos desafios da sustentabilidade, e um tema importante para a Daniela Ponto Final. Na prática, de que forma esta preocupação esta presente na marca?

Pessoalmente, sou fã do “antigamente”, adoro visitar o armário da minha avó, tenho imensas saudades das histórias que o meu avô Armando contava e que hoje, com Alzheimer, só as memórias de infância me permitem reconfortar o coração de alguma forma, adoro visitar feiras de antiguidades, a própria imagética que crio quando estou em contacto com objetos, música, as páginas amarelas e dedicatórias nos livros em segunda mão, tudo isso é material para me fazer viajar para outros tempos que não forma os meus. É inacreditável a quantidade de coisas que as pessoas adquirem e rapidamente as descartam! Costumo dizer que “Lixo é Luxo” e acredito mesmo nisso! É só prestarmos um bocadinho mais de atenção, permitirmos abrir e relaxar os sentidos e encontramos autênticos tesouros!

Há imensa matéria-prima, excedentes de confeções maiores, tecidos há anos em prateleiras nas retrosarias, botões e outros aviamentos, porque não trabalhar com o resto dos outros? Não posso ter um trabalho de autor por dar uso ao que já existe e não serve? Porquê? Quanto mais antigo, mais desafiante é para mim, até para o tornar atrativo novamente nos dias de hoje… além disso,  a “Moda” é um ciclo, tudo se repete e todos nós somos reflexo de várias influências.

 

A Daniela Ponto Final apresenta peças únicas que combinam diferentes cores e padrões. Qual é a fonte de inspiração para criar estes artigos?

Acho que já respondi um bocadinho sobre isto anteriormente, mas também é um processo muito intuitivo, de improviso…tenho sempre que ter os materiais comigo e só depois permito-me “ouvir” as suas histórias e propor-lhes de igual forma as “minhas histórias”. Desenho, planifico, mas a maior parte das vezes improviso sempre durante a modelagem e confeção e até no acabamento das peças…

 

Quais os principais desafios que encontrou enquanto designer de uma marca de slow fashion portuguesa?

Antes de mais, foi tentar perceber se faria sentido para mim , assumir o ritmo da indústria como hoje ela nos chega.

Uma peça de roupa, para mim, é muito mais do que um pedaço de pano para cobrir o corpo. É uma extensão da minha personalidade, crio laços emocionais com as peças e custa-me muito desfazer-me até da sobra do corte das peças que produzo na marca… Se, numa primeira fase ponderei essa abordagem no meu trabalho, seguir os calendários e coleções intermináveis, a verdade é que me estava a contrariar, para não falar do esforço e exaustão mental enormes e fisicamente também é bastante violento. Em 2016, tive uma experiência menos boa devido ao ritmo que seguia, poucas horas de sono, demasiadas horas de trabalho, acabei em fisioterapia facial, muito menos café e fui obrigada a abrandar. Percebi que se eu demorar mais um bocadinho, o mundo não vai parar de girar, o cliente daniela ponto final também não adquire uma peça porque “precisa”, mas porque pretende algo diferente, que vai para além de seguir tendências… Respeitar os ciclos dos processos, das pessoas, dos materiais, faz muito mais sentido para mim.

 

O que caracteriza o público-alvo da Daniela Ponto Final? Que tipo de peças mais procura?

Para mim é um bocadinho difícil responder a essa pergunta, porque é que tenho que excluir alguém? Prefiro o contrário, quem escolhe dizer “é daniela ponto final” fá-lo de forma consciente, sem receio de julgamentos por misturar grafismos ou “abusar” na paleta cromática…a vida já é tão aborrecida para acrescentar mais limites ou barreiras… é uma forma de estar, “é daniela, ponto final!”

As camisas das séries DANIELA’SHIRT são sem dúvida o produto com mais procura pelo público.

 

Que perceção ambiciona que as pessoas tenham quando usam uma peça da Daniela Ponto Final?

Eu gosto mesmo muito do que faço, vai para além do “amor à camisola” e, talvez por isso, me zangue muitas vezes com os trapos e sinta necessidade de parar e experimentar outras coisas… invariavelmente acabo sempre por trabalhar com tecidos e trabalhar muito com as mãos, valorizar cada vez mais as técnicas artesanais de produção e ornamentação do vestuário… tenho tido a sorte de estar envolvida em alguns projetos criativos e com uma forte componente social, a convite da Associação de Jovens Ecos Urbanos, São João da Madeira (e estou mesmo muito grata à Maria João Leite) pelos convites nos últimos anos, e que me tem permitido conhecer pessoas (a maior parte tornam-se avós adoptivas) e ouvir, ouvir o que têm para contar… ainda mais na situação pandémica em que vivemos, num isolamento forçado… faltam as emoções!… é importante para mim que as pessoas saibam que existe uma Daniela e que essa Daniela é todas as “Danielas” no processo. Existem pessoas que fazem acontecer, não são máquinas, leva tempo, mas esse tempo é dedicado a cada uma das pessoas que veste e diz “é daniela ponto final!”

Continuo a crer que ter amor naquilo e por aquilo que fazemos faz toda a diferença e não seria capaz de propor e assinar uma peça se não tiver sido feito com esse super ingrediente!

DPF retalhos de tecidos

Onde podemos encontrar a Daniela Ponto Final à venda?

daniela ponto final está disponível no website da marca, mas também nas redes sociais Facebook e Instagram (@adanielapontofinal) e com um retorno muito mais rápido do que no próprio site. Fisicamente, é possível encontrar daniela ponto final no Porto, na CRU-LOJA (Rua do Rosário 211), sob a curadoria das maravilhosas Virgínia França e Tânia Santos.

Daniela Duarte

Daniela Duarte, natural de São João da Madeira (1987), é Designer de Moda e fundadora da marca “Daniela Ponto Final” (2010).
Assistente Convidada pela Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco, leccionou e lecciona unidades curriculares afectas à Licenciatura em Design de Moda e Têxtil, como Design de Moda, Sustentabilidade na Moda e Confecção.
Artista Convidada pela Associação de Jovens Ecos Urbanos na integração do “Projecto Habitus” com o grupo de trabalho da Oficina de Costura da Associação Mente em Movimento (2020/2021 – a decorrer); Residência Artística “Bordado A Matiz”, designer convidada pelo Centro Regional de Artesanato dos Açores (2019/2020).
Formadora e dinamizadora do Workshop “Tecelagem Improvisada” (2019); Artista Convidada pela Associação de Jovens Ecos Urbanos na integração do Projecto Labirinto Sensorial com as obras “Bolo de Laranja à Hora do Chá” (Bordado em Fotografia com o grupo de trabalho Clube de Tricôt do Orreiro) (2019) e “Never Ending – Knitting Ambience” (maxi tricôt com desperdício têxtil com o grupo de trabalho Clube de Tricôt do Orreiro) (2018).
Oradora convidada pela Universidade da Beira Interior no âmbito das Jornadas de Moda – Fashion Revolution Portugal (2018); Formadora convidada pela Sanjotec em co-promoção do workshop “Costura Criativa” no âmbito do programa internacional TCBL (2017).
Oradora convidada pela Universidade Aberta e Associação de Jovens Ecos Urbanos na tertúlia “Empreendedorismo no Feminino” (2016); Oradora convidada pela Fibrenamics em parceria com a Universidade do Minho na tertúlia “Do Conhecimento ao Mercado – Moda” (2015); Apresentação e venda ao público da marca “daniela ponto final” na Pop-Up Store WonderRoom ModaLisboa no período decorrente entre 2013 e 2018.

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