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Rótulos Saudáveis

Os rótulos dizem-nos tudo sobre os produtos que vamos comprar, mas normalmente só olhamos para a validade. Por esse motivo, para termos um consumo cada vez mais sustentável é fundamental compreendermos melhor os rótulos e o que neles devemos analisar.

Nesta entrevista, a Milene Lourenço, que realizou uma tese sobre literacia nutricional e rótulos, explica-nos tudo sobre rótulos.

 

 

Como está a literacia dos portugueses no que diz respeito à rotulagem de produtos saudáveis?  

Um estudo encomendado pela Direção-Geral da Saúde (DGS), em 2017, revela que cerca de  40% dos consumidores portugueses não compreendem a informação nutricional básica presente  nos rótulos alimentares.  

A consulta dos rótulos é feita maioritariamente para conhecerem o prazo de validade e as  instruções de uso, no entanto, a consulta dos mesmos para obter informação sobre a composição  nutricional dos alimentos é mais reduzida. Muitos dos parâmetros fornecidos na rotulagem  alimentar são negligenciados ou fracamente interpretados devido à baixa literacia nutricional da  população. 

Neste estudo, foi ainda verificado que a literacia nutricional e a frequência de consulta dos rótulos  estão associadas às habilitações literárias dos consumidores, quanto maior o grau de  escolaridade concluído, maior a importância e interpretação dos rótulos alimentares. Em suma, os consumidores, apesar de reconhecerem que os rótulos alimentares são uma boa  fonte de informação, raramente os consideram na decisão de compra devido à carência de  literacia nutricional.  

 

Há uma evolução nesta matéria? E no que diz respeito a hábitos saudáveis? 

Desde 2016 que se tem registado uma crescente preocupação com a saúde e o bem-estar.  Devido a esta tendência, a orientação para hábitos saudáveis e a literacia nutricional têm-se  revelado fatores fundamentais na interpretação de rótulos e na perceção de um produto alimentar  como saudável ou não saudável.  

Ao estar orientado para hábitos saudáveis, o consumidor irá, naturalmente, procurar estar mais  informado acerca da rotulagem alimentar e mais interessado na composição nutricional dos  produtos que está a comprar. A quantidade e qualidade da informação considerada no ato da  compra aumentam e a perceção e consciência de saudável são também impactados. 

Neste sentido, denota-se uma associação em cadeia, na medida em que, quanto maior a  orientação para hábitos saudáveis, maior a procura por informação e educação a nível nutricional,  ou seja, maior nível de literacia nutricional. Ambos os conceitos estão interligados e verifica-se  que, ao longo dos anos, existe uma evolução na forma como os consumidores tomam as suas  decisões de compra.  

 

rótulo sustentável

 

Que elementos inclui a rotulagem e qual o papel de cada um?  

A rotulagem alimentar pode ser definida como um conjunto de indicações, marcas, símbolos ou  imagens, de um género alimentício específico, que figuram em qualquer embalagem, documento,  aviso, rótulo ou gargantilha. Inclui os elementos:  

 1) Denominação do género alimentício  

Deve ser acompanhada da indicação do estado físico em que se encontra o género alimentício  (ex.: em pó, pré-congelado, liofilizado, ultracongelado, concentrado, fumado). 

2) Lista de ingredientes  

Deve enumerar todos os ingredientes do género alimentício, por ordem decrescente de  quantidade presente no produto.  

3) Ingredientes ou derivados de uma substância que provoquem alergias ou intolerâncias  Alergénios, utilizados no fabrico ou na preparação de um género alimentício e que continuem  presentes no produto acabado (ex.: cereais que contêm glúten, crustáceos, ovos, amendoins,  soja, leite, etc.).  

4) Quantidade de determinados ingredientes 

Obrigatório em produtos que destaquem ingredientes no rótulo através de palavras ou imagens ou  seja essencial para caracterizar e distinguir um género alimentício.  

5) Quantidade líquida do género alimentício  

Expressa, consoante o caso, em: litro, centilitro, mililitro, quilograma ou grama.  6) Data limite de consumo  

Data na qual é seguro o consumo de determinado produto.  

7) Condições especiais de conservação e/ou as condições de utilização  Caso os géneros alimentícios exijam condições especiais de conservação e/ou de utilização,  devem ser fornecidas instruções de utilização e conservação após a abertura da embalagem.  8) Nome ou firma e o endereço do operador da empresa do setor alimentar  Identificação do operador da empresa do setor alimentar responsável pela informação sobre os  géneros alimentícios.  

9) País de origem ou local de proveniência  

10) Modo de utilização  

Apenas obrigatório na embalagem quando a sua omissão dificultar uma utilização adequada do  produto.  

11) Título alcoométrico  

Sempre que se tratar de uma bebida alcoólica.  

12) Declaração nutricional  

A declaração nutricional Inclui obrigatoriamente os seguintes campos: Valor energético, lípidos e  ácidos gordos saturados, hidratos de carbono e açúcares, proteínas e sal. 

 

Para efetuarmos uma escolha saudável, devemos ter em conta dois aspetos fundamentais: a lista  de ingredientes e a tabela nutricional. 

 

No que diz respeito à rotulagem de produtos alimentares saudáveis, o que devemos ter em linha  de conta?  

Para efetuarmos uma escolha saudável, devemos ter em conta dois aspetos fundamentais: a lista  de ingredientes e a tabela nutricional. 

A lista de ingredientes apresenta os ingredientes presentes por ordem decrescente. Deste modo,  devemos evitar os produtos que apresentam adição de açúcares ou gorduras, especialmente  quando estes se encontram nos primeiros ingredientes listados. É aconselhável também, procurar  evitar produtos que contenham óleos vegetais (ex.: palma, girassol, amendoim, etc.), gorduras  hidrogenadas ou açúcar (ex.: mel, maltodextrina, malte de cevada, dextrose, sacarose, frutose,  etc.). 

Quanto à tabela nutricional, analisa-se sempre os valores por 100g, de forma a facilitar a  comparação entre produtos. O ideal é que por 100g, um alimento tenha menos de 3g de gordura,  menos de 1,5g de gorduras saturadas, menos de 5g de açúcar e menos de 0,3g de sal. 

 

Que selos e certificações são mais credíveis nesta área?  

Existem algumas certificações que nos indicam a ausência de determinadas substâncias ou as  condições de produção do alimento. Algumas destas certificações são:

  • V-Label, um selo  reconhecido a nível internacional para identificação de produtos vegetarianos e vegan; 
  • Gluten-free, que certifica a ausência de glúten;
  • O logótipo “Bio” da UE que confere uma identidade  visual coerente aos produtos orgânicos produzidos pela União Europeia;
  • A ASC que visa a  identificação de frutos do mar produzidos de forma responsável;
  • Rainforest Alliance  Certified®, que identifica produtos provenientes de cultivo sustentável, significando melhores  condições de trabalho, o acesso à educação, a proteção dos recursos naturais e a rastreabilidade  das matérias-primas.  

Um sistema recentemente implementado é o Nutri-Score, uma escala de classificação baseada  em cores e letras. Este sistema classifica os alimentos em cinco classes, numa escala de A  (representada pela cor verde) a E (representada pela cor vermelha). 

rótulos sustentáveis

Através desta escala são comunicadas, de forma simples e fácil, as propriedades nutricionais dos  alimentos, dando claras e intuitivas indicações de quais serão as escolhas alimentares mais  saudáveis.  

Este método é largamente reconhecido por autoridades de saúde, publicações científicas e pela  própria indústria alimentar. Porém, não substitui a consulta da informação nutricional. O Nutri Score é apenas um indicador simples, que permite comparar facilmente a qualidade nutricional de  produtos da mesma categoria.  

 

Quanto mais instruídos e sensibilizados estiverem os consumidores para a adoção de hábitos  saudáveis, maiores benefícios vão reconhecer aos produtos saudáveis

 

Fez uma dissertação sobre este tema. Quais as principais conclusões a que chegou?  

Os resultados obtidos no meu estudo permitiram concluir que a orientação para hábitos  saudáveis, a literacia nutricional e o packaging estão associados à perceção de um produto como  saudável e, por conseguinte, à sua intenção de compra.

O focus group e as entrevistas realizadas revelaram a associação em cadeia das variáveis em  análise. Ou seja, quanto maior a orientação para hábitos saudáveis, maior o interesse e a procura  por informação nutricional, resultando num maior nível de literacia nutricional. Por conseguinte,  estas duas variáveis contribuem para a forma como o consumidor analisa o packaging e interpreta  o rótulo alimentar, afetando a sua perceção de saudável.  

 

Que resultados mais a surpreenderam e porquê?  

Os resultados que mais me surpreenderam foram os obtidos no focus group. Foi criada uma  experiência com os participantes que consistiu na apresentação de dois produtos de marcas  conhecidas pela amostra de consumidores – os cereais Chocapic Original e a granola Fitness  Slow Release Energy –, ambos da mesma marca mãe – Nestlé.

Numa primeira fase, foi apenas  mostrada a frente de ambas as embalagens e pedido aos consumidores que escolhessem e  avaliassem qual a embalagem mais apelativa, qual dos produtos consideram mais saudável e  mais calórico. Após esta avaliação, foi mostrado também o verso das embalagens,  disponibilizando informação sobre os seus valores nutricionais e ingredientes. De seguida, fez-se  as mesmas perguntas à amostra de consumidores. 

A maioria dos participantes afirmaram que o Chocapic tem a embalagem mais apelativa,  essencialmente por estar associado à sua infância – Chocapic é a minha infância. Relativamente  ao produto que consideram mais saudável, no focus group, esta questão foi amplamente discutida  verificando-se a divisão de opiniões. Inicialmente, o Fitness foi apontado como o mais saudável  por conhecerem a marca e a identificarem como tal, no entanto, o participante 4, cuja profissão  está relacionada com a área da saúde, destacou que os cereais destinados a crianças têm de  seguir normas e valores nutricionais mais rigorosos e, nessa ótica, concluiu que o Chocapic  deverá ser igual ou mais saudável que o Fitness. 

Quando questionados sobre qual o produto mais calórico, as opiniões continuaram divididas, no  entanto, a maioria dos participantes apontaram as granolas como mais calóricas pela presença de  frutos secos e outros óleos. Todavia, alguns participantes, por considerarem o chocolate (presente  essencialmente no Chocapic) um ingrediente não saudável, continuaram a considerar o Chocapic  como o mais calórico. 

Após estas questões, deu-se início à segunda fase da experiência. Os rótulos de ambos os  produtos foram revelados e pediu-se à amostra de consumidores que os interpretassem e  comparassem. Todos os participantes perceberam que o participante cuja profissão estava  associada à saúde tinha razão e que, de facto, o Fitness, para além de ser mais calórico,  apresenta também mais lípidos. Os participantes chegaram à conclusão de que o Chocapic é  mais saudável que o Fitness, essencialmente através da análise das calorias, dos lípidos, do  açúcar, da fibra e do sal.  

 

O que podem as empresas de retalho aprender com os resultados do seu estudo? 

No que diz respeito aos contributos empresariais, os resultados obtidos permitem entender que,  quanto mais instruídos e sensibilizados estiverem os consumidores para a adoção de hábitos  saudáveis, maiores benefícios vão reconhecer aos produtos saudáveis e, como consequência,  maior será a sua intenção de compra. 

A procura por informação simples e credível no verso da embalagem é uma consequência de um  consumidor orientado para hábitos saudáveis. Deste modo, as empresas que operam neste setor  devem começar por desenvolver um produto que vá ao encontro das características que os  consumidores mais valorizam – baixa gordura, açúcar e calorias, com ingredientes de qualidade -,  de seguida, apresentar de forma simplificada os benefícios do seu produto, para que sejam  facilmente entendidos pela generalidade da população.

Os benefícios do produto devem estar  destacados na frente da embalagem, através de alegações nutricionais, mas também devem ser  facilmente entendidos e reconhecidos no verso, através de um rótulo com valores nutricionais que  corroborem as alegações proferidas.

Não obstante, um packaging apelativo não deve ser  descurado, as cores e o design revelaram-se importantes para a amostra de consumidores. A  marca do produto também permite inferências sobre o mesmo e, portanto, deve ser uma marca já  associada à alimentação saudável, gerando maior credibilidade no produto ou, se for uma marca  nova no mercado, deve posicionar-se como tal. 

Quanto ao retalho, os resultados do estudos verificaram que os consumidores valorizam as “zonas  green” que apresentam variedade e qualidade dos produtos saudáveis, são pouco recetivos à  mudança dos produtos de corredor, uma vez que dificulta a otimização do seu tempo, e preferem  a organização do ponto de venda por categorias de produto. Por outro lado, prestam maior  atenção ao merchandising de prateleira, junto ao produto.  

Milene Lourenço

Milene Lourenço

Tenho 23 anos e concluí recentemente mestrado em Marketing no  ISEG. Sou apaixonada pela área de FMCG e uma grande defensora de uma alimentação  saudável e consciente.  

Atualmente trabalho como project manager numa agência de Marketing.

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