Pacto Português para os Plásticos: conseguimos limpar o rasto de plástico que deixamos para trás? – Pedro São Simão

por Marta Belchior

“É possível voltar atrás depois de tantos anos a poluir o mundo com plástico?”; “Qual o impacto que a pandemia teve na eliminação do plástico?”; “Como sensibilizar os cidadãos para práticas mais sustentáveis?”; Estas são algumas das perguntas que Pedro São Simão, coordenador do Pacto Português para os Plásticos, pretende esclarecer nesta entrevista.

No que consiste o Pacto Português para os Plásticos?

O Pacto Português para os Plásticos (www.pactoplasticos.pt), promovido e liderado pela Associação Smart Waste Portugal, e pertencente à Plastics Pact Network da Fundação Ellen MacArthur, é uma iniciativa colaborativa que une diferentes atores da cadeia de valor nacional do plástico, com uma visão comum de promover a transição para uma economia circular dos plásticos em Portugal, garantindo o fim da poluição de plástico.  A iniciativa conta, atualmente, com mais de 100 entidades membro, contando também com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República, e com o apoio institucional do Ministério do Ambiente e Ação Climática; Ministério da Economia e Transição Digital; e Ministério do Mar.

Para garantir o cumprimento da visão comum, os membros do Pacto Português para os Plásticos comprometeram-se a atingir, até 2025, as seguintes metas:

  • Eliminar os Plásticos de Uso Único Problemáticos e/ou Desnecessários;
  • 100% das Embalagens de Plástico serem Reutilizáveis, Recicláveis ou Compostáveis;
  • 70% de Taxa de Reciclagem de Embalagens de Plásticos;
  • 30%, em média, de Incorporação de Plástico Reciclado em Novas Embalagens de Plásticos;
  • Sensibilizar e Educar os Consumidores para o Uso Responsável, Sustentável e Circular dos Plásticos

O facto do vírus Covid-19 ser extremamente transmissível faz com que os materiais utilizados (por exemplo luvas, máscaras, hazmatic suits, etc.) apenas possam ser utilizados uma única vez e que sejam extremamente descartáveis. Considera que a pandemia foi um fator que veio atrasar a consecução das metas estabelecidas até 2025?

Um mês após o lançamento do Pacto Português para os Plásticos, a pandemia covid-19 entrava em Portugal, alterando, de forma repentina, as prioridades dos agentes económicos e sociais – garantir o menor impacto da pandemia na saúde e na economia portuguesa.

Contudo, mesmo com um cenário económico de grande condicionamento e imprevisibilidade, a cadeia de valor dos plásticos não só assumiu, como reforçou a sua liderança na transição para uma economia circular para os plásticos. Ultrapassado mais de um ano da iniciativa, hoje são mais de 100 os membros do Pacto Português para os Plásticos, quando no lançamento eram cerca de 50. Durante o primeiro ano, foram realizadas mais de 20 reuniões dos diferentes grupos de trabalho da iniciativa (remotamente), sempre com uma afluência muito elevada de participantes.

Mas mais do que o volume de reuniões, destaca-se o resultado das mesmas. Foi possível concretizar o primeiro grande objetivo, o de chegar a um acordo sobre plásticos de uso único considerados problemáticos e/ou desnecessários, que os membros da iniciativa se comprometem a eliminar até 2025. Foi possível concretizar o documento estratégico da iniciativa – o Roadmap 2025 – que define o caminho a seguir para a concretização das ambiciosas metas da iniciativa em 2025. Desenvolveu-se e implementou-se a primeira campanha de comunicação do Pacto Português para os Plásticos – a campanha “Vamos Reinventar o Plástico” – que tem sido amplamente divulgada pelos nossos membros, principalmente através dos seus canais digitais e nas lojas de alguns retalhistas. Promoveram-se duas semanas de conhecimento, onde especialistas, nacionais e internacionais, apresentaram as inovações e tendências nas áreas da reutilização e da inovação de embalagem.

Apesar de ter sido um ano desafiante, pela conjuntura associada à pandemia e ainda pelo facto de ser a primeira vez que vários agentes de diferentes setores se juntam em torno de um objetivo comum, acreditamos que este primeiro ano superou, de forma significativa, as expectativas depositadas inicialmente. Estes primeiros resultados demonstram o potencial da visão assumida pela Associação Smart Waste Portugal – a do poder da colaboração na transição para uma economia circular.

Salientar que a pandemia teve impacto no desenvolvimento das ações, coletivas e individuais, dos nossos membros. Por exemplo, o incremento de serviços como takeaway e o delivery impactaram no consumo de embalagens, nomeadamente de algumas que os membros consideram problemáticas. Contudo, apesar das restrições à vida social e económica, os nossos membros foram capazes de avançar no sentido certo.

Da listagem de 19 itens que os membros se propõe a eliminar dos seus portfolios até 2025, quatro já não estão presentes nos portfolios dos nossos membros, e três registaram uma redução de 70%, ou mais, entre 2019 e 2020. O volume de embalagens reutilizáveis aumentou, representando 7% do total das embalagens de plástico usadas pelos nossos membros em 2020, mais de metade das embalagens já são recicláveis e, em média, cresceu a quantidade de plástico reciclado usado em embalagens de plástico – 11% em 2020. 

Se numa conjuntura tão adversa e instável os nossos membros assumiram a liderança, comprometendo com a visão e ambiciosas metas do Pacto Português para os Plásticos, ao mesmo tempo que realizaram esforços e investimentos que se traduziram em progresso, entre 2019 e 2020, podemos concluir que este é, de facto, um compromisso capaz de criar a mudança sistémica necessária para concretizar uma verdadeira economia circular para os plásticos em Portugal, e estamos convictos que iremos atingir as nossas metas até 2025.

O principal objetivo é implementar uma economia totalmente circular para diminuir a nossa pegada ecológica. É possível chegar a essa meta? Se sim, quando se prevê?

O paradigma económico de uma “economia circular” é desacoplar o crescimento económico e desenvolvimento social do consumo de recursos e poluição.O objetivo do Pacto Português para os Plásticos é garantir que “agarramos” esta oportunidade dentro da cadeia de valor dos plásticos nacional.

O paradigma da economia circular impõe que só utilizemos recursos se for estritamente necessário. Muitas inovações, ao longo dos anos, promovidas pela indústria dos plásticos têm permitido, por exemplo, reduzir o volume de material por embalagem, com impactos diretos e indiretos no consumo de recursos – e, por conseguinte, no seu impacto ambiental. Muitos itens existem que utilizamos por simples “conforto” ou “hábito”, muitas vezes numa lógica descartável. Dentro de uma economia circular, temos de repensar a verdadeira necessidade do consumo destes itens e, sempre que possível, tentar evitá-lo.

Para todos os recursos que precisamos, no nosso caso, os plásticos, temos de garantir que estes permanecem na economia, a circular. Os círculos podem ser mais ou menos curtos. Uma reutilização de uma garrafa em casa é um ciclo curto. Um sistema de depósito e retorno de garrafas, que exige o movimento de toda a cadeia de valor, é um ciclo longo. Em ambas as situações, preservamos os materiais na economia. No caso da garrafa em casa, intacta para a próxima utilização. No caso do sistema de depósito, recuperamos o material da garrafa, através da reciclagem, que voltamos a utilizar para produzir uma nova garrafa.

Esta lógica tem três grandes vantagens. A primeira, é a económica. Permanecendo os materiais na economia, conseguimos rentabilizar e valorizar a sua utilização ao máximo, permitindo reduzir custos. A segunda está ligada a esta poupança, mas agora ligada ao nosso planeta. Poupando o consumo de recursos, poupamos o custo ambiental da sua extração da natureza, e os custos indiretos, como emissões de carbono. Finalmente, a terceira grande vantagem de uma economia circular para os plásticos é garantir as condições para o fim da poluição. Sendo valorizados dentro da economia, ninguém deixará “escapar” o plástico para o ambiente, pelo elevado valor económico que tem, e, claro, pelo impacto negativo que a poluição de plástico tem nos ecossistemas.

Uma economia circular junta “economia” e “ambiente” de forma harmoniosa, numa lógica onde todas as partes ganham, e a sociedade sai beneficiada.

O Pacto Português para os Plásticos, com as suas ambiciosas metas para 2025, contribui, de forma clara e direta, para que esta seja uma realidade num futuro não tão distante. A tecnologia e a inovação serão essenciais para chegarmos ao nosso destino, mas mais do que uma questão tecnológica, trata-se de uma predisposição que empresários, consumidores, governantes e todos os demais envolvidos na cadeia de valor dos plásticos têm que assumir, pautando as suas decisões e comportamentos por uma lógica de circularidade. Se todos o fizerem, todos ganhamos!

Considera que os cidadãos estão informados relativamente este tema e têm consciência da importância do seu papel para a redução dos níveis de plástico no mundo?

Mais do que preconizarmos uma “redução dos níveis de plástico”, temos de preconizar a “redução do desperdício”, e procurar garantir o uso racional e circular de todos os materiais. “Reduzir os níveis de plástico” não deverá, na minha opinião, ser a premissa mobilizadora do consumidor. Porque se “reduzirmos o plástico” e o substituirmos por outro qualquer material, poderemos estar a criar outros problemas, e a privar a nossa sociedade das vantagens dos plásticos.

Os plásticos fazem parte da nossa sociedade, e têm contribuído, de forma determinante, para a melhoria dos padrões de vida da população mundial. No caso das embalagens de plástico, que são o âmbito do Pacto Português para os Plásticos, este material contribui para a segurança e maior durabilidade dos nossos alimentos, para o seu transporte seguro e eficiente, para o menor custo dos produtos, entre muitas outras características. Fora do nosso âmbito, sabemos todos da importância dos plásticos no setor da saúde, mas também nos transportes, na construção, entre outras múltiplas aplicações.

O uso racional e circular dos plásticos, o preconizado numa economia circular, garante a minimização do impacto do consumo de plástico no ambiente, sem limitar as nossas opções e qualidade de vida. E, aí, cada um de nós tem um papel determinante.

Primeiro, sendo racionais nas nossas escolhas. Se não precisamos da palhinha em plástico, talvez também não precisemos da palhinha em metal ou papel. Mais do que pensar em “reduzir o plástico”, temos de pensar em “reduzir o desperdício”, e isso podemos fazer a cada decisão de consumo que tomamos.

Depois, temos de apoiar o processo de transição para um modelo circular. E isso é mais simples do que soa. Numa economia circular o “consumidor” deixa de ser “final” para ser “intermédio”, sendo parte integrante – e essencial – da cadeia de valor. Todos somos fornecedores da cadeia de valor do plástico. Seja fornecedores de embalagem, sempre que existam sistemas de reutilização, seja fornecedores de matéria-prima, separando as embalagens usadas no ecoponto amarelo, permitindo que o material destas seja a matéria-prima para produzir novas embalagens.

Ao preservarmos os plásticos na economia – através da reutilização e reciclagem – garantimos que estes nunca terminam no ambiente, e evitamos a extração de recursos adicionais. Se reduzirmos o desperdício, reforçamos o nosso impacto na redução do consumo de recursos. E nesta lógica, estimulamos novas oportunidades para o desenvolvimento sustentável, criando mais valor para a economia.

O nosso Primeiro Relatório de Progresso demonstra que existe uma grande abertura dos portugueses a consumir embalagens com material reciclado – mais de metade estariam dispostos. Os nossos membros, individualmente, e o Pacto Português para os Plásticos, de forma colaborativa, têm procurado sensibilizar o consumidor para este papel determinante que tem na transição para uma economia circular para os plásticos.

Mas para além de sensibilizar e educar o consumidor, é fundamental que ele tenha disponíveis embalagens reutilizáveis e 100% recicláveis, que disponha dos sistemas que permitam garantir uma reciclagem de maior e melhor reciclagem, que se dê continuidade aos investimentos e inovação na área da embalagem, permitindo a crescente incorporação de material reciclado e a criação de novos modelos de negócio. Garantir essas condições é compromisso coletivo que os membros do Pacto Português para os Plásticos assumiram ao determinar as metas a atingir até 2025, e exigirá um esforço de todos os elos da cadeia de valor – empresas, governo, ONGs, poder local e, claro, de todos nós enquanto consumidores.

Uma das metas para 2025 é “Sensibilizar e Educar os Consumidores para o Uso Responsável, Sustentável e Circular dos Plásticos”, como pretendem fazê-lo?

Com o objetivo de sensibilizar os consumidores portugueses para uma utilização responsável do plástico e mobilizar a sociedade no processo de transição para uma economia circular dos plásticos em Portugal, o “Pacto Português para os Plásticos” criou uma campanha intitulada “Vamos Reinventar o Plástico”. Esta é uma campanha que se desenrolou em duas fases, chamando o consumidor a intervir em cada uma delas.

A primeira fase, “Reduzir”, decorreu no final do ano 2020, foi uma ação sobretudo informativa, e apostou numa presença digital com o site www.pactoplasticos.pt; num vídeo de apresentação do projeto; numa campanha online em vários sites de referência, tendo sido divulgada amplamente nas redes sociais dos membros do Pacto Português para os Plásticos e em vários supermercados e pontos de venda dos membros associados. Foi o primeiro contacto dos consumidores com o Pacto Português para os Plásticos, com um impacto importante, verificado pelo número significativo de visitas ao nosso website e redes sociais.

A segunda fase coincidiu com o primeiro aniversário da iniciativa, 4 de fevereiro de 2021, e focou-se na “Reutilização” e “Reciclagem”. Com a dinâmica de comunicação da primeira fase, mas agora centrada nas questões da “reutilização” e da “reciclagem”, a campanha  “Vamos Reinventar o Plástico” demonstrou de forma simples e intuitiva, como todos podem fazer a diferença e evitar que os plásticos se convertam em resíduos ou poluição. Esta fase contou também com a promoção de um passatempo nas redes sociais, que permitiu ao PPP conhecer os hábitos de reutilização das embalagens de plásticos dos portugueses.

Considerando que as ações de “reutilizar” e “reciclar” são muito tangíveis para o consumidor, e que foi explicada a importância de cada uma destas ações, esta foi uma fase importante da campanha.

No âmbito da campanha “Vamos Reinventar o Plástico” foi ainda desenvolvida uma página no site do Pacto Português para os Plásticos com as boas práticas já implementadas pelos seus membros, onde é possível conhecer os esforços que já estão a ser realizados em prol de uma economia circular para os plásticos. Desde inovações simples, mas de grande impacto, até a soluções e tecnologias totalmente disruptivas para acelerar esta transição, são mais de 200 os exemplos de Boas Práticas disponíveis no site do PPP para que o consumidor tenha mais informação relativamente ao que está a ser feito pelos membros.

Quanto aos próximos passos, já no início de 2022, o Pacto Português para os Plásticos vai arrancar com uma nova campanha, agora focada na reciclagem do plástico. Vai ainda comunicar com os mais pequeninos, através de um projeto educativo, que promove o fim dos descartáveis – de plástico e de outro qualquer material. Com os profissionais do futuro – os estudantes universitários – vai apostar em sessões masterclass nas Universidades e Politécnicos membros da iniciativa, assim como num programa de ideação, desafiando os empreendedores do futuro a gerar ideias capazes de acelerar o processo de transição para uma economia circular para os plásticos.

Nós, comunidade, podemos tentar fazer a diferença na nossa pegada ecológica daqui para a frente, mas será possível conseguirmos limpar o enorme rasto que deixamos para trás?

Normalmente, usa-se muito a metáfora da “casa com inundação” para simbolizar o problema da poluição de plásticos. Quando chegamos a nossa casa e verificamos uma inundação, a primeira coisa que fazemos não é, certamente, procurar a esfregona para limpar o chão. É sim procurar a torneira que deixamos aberta, e fechá-la imediatamente.

Essa é a estratégia e compromisso do Pacto Português para os Plásticos: “Fechar a torneira” da poluição de plástico, através da transição para uma economia circular. Salientar que com esta abordagem, não só evitamos a “inundação” (atual e futura), mas também aproveitamos melhor a “água” (isto é, o plástico) sempre que precisamos dela. E acreditamos que estaremos muito perto de o fazer com a concretização das Metas 2025 desta iniciativa.

Pelo menos até 2025, o nosso foco continuará a ser “fechar a torneira” em Portugal, e apoiar o processo de “fechar a torneira” a nível global, através do trabalho conjunto com os nossos parceiros da rede internacional a que pertencemos – a Plastics Pact Network da Fundação Ellen MacArthur.

Obviamente, depois de “fecharmos a torneira”, temos de “limpar a inundação” e “repor os estragos”. Em parte, isso tem vindo a ser feito por algumas entidades, algumas membros do Pacto Português para os Plásticos. Existem vários projetos focados na recolha de plástico dos oceanos e da natureza, para a sua incorporação em novos produtos, sejam embalagens ou sapatilhas, entre outros. Estamos atentos a estas iniciativas, e procuramos partilhá-las com os nossos membros. Mas consideramos que a prioridade deve estar a montante, em evitar que eles cheguem à natureza em primeira instância. Porque estimular o consumo de “plástico dos oceanos” pode criar o incentivo perverso de não criar urgência para eliminar a sua fonte. Por isso é que o nosso foco é exclusivamente na fonte, em “fechar a torneira”, tão depressa quanto possível.

No futuro, quando as “torneiras” estiverem todas fechadas, acreditamos que os esforços se deverão focar na remoção dos plásticos da natureza, que será sem dúvida uma tarefa exigente. Mas, com a concretização de uma economia circular global para os plásticos, o valor intrínseco destes materiais dará o incentivo económico necessário para os recolocar na economia – afinal de contas, ninguém gosta de deixar uma nota perdida no chão.

Pedro São Simão

Pedro São Simão possui licenciatura e mestrado em Economia, pela Universidade do Porto (Portugal), e pós-graduação em Cadeias de Valor Sustentáveis, pela Universidade de Cambridge (Reino Unido). Iniciou a sua carreira profissional na América Latina – Venezuela e Brasil – trabalhando, durante os últimos 8 anos, numa indústria de moldes e plásticos, Ernesto São Simão Lda. (ESS), onde assume o cargo de Gerente Geral. É o representante da empresa na Direção da Associação Smart Waste Portugal (desde 2018), acumulando a função de coordenador do Pacto Português para os Plásticos (desde Fev/2020). Com uma carreira profissional dedicada à sustentabilidade e circularidade dos plásticos, também foi co-fundador do projeto Refeel Good, um projeto de reutilização de embalagens de plástico, que foi finalista no Social Innovation Challenge da Comissão Europeia (2019) e apoiado pelo programa EIT Climate-KIC (2020).

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