Dia Internacional da Mulher: (Des)Igualdade de Género – Rita Oliveira Pelica

por Marta Belchior

O Dia Internacional da Mulher celebra as conquistas das mulheres provenientes dos mais diversos contextos étnicos, culturais, socioeconómicos e políticos. É um dia em que todos devemos refletir acerca do progresso a nível de direitos humanos, e honrar a coragem e determinação das mulheres que ajudaram e continuam a ajudar a redefinir a história, local e globalmente.

Apesar de todos os avanços relativos aos direitos das mulheres, nenhum país atingiu a igualdade plena entre homens e mulheres.

O Green Purpose pretende assinalar esta data e desafiou algumas mulheres com cargos de liderança a responder a 5 perguntas sobre a desigualdade de género no meio laboral. São testemunhos que revelam a realidade que ainda se vive e refletem que, no que diz respeito a Portugal, na prática, ainda estamos longe de alcançar a igualdade.

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Rita Oliveira Pelica,
Chief Energy Officer & Founder na ONYOU | Business Mentor na

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Já sentiu algum tipo diferença no tratamento dos outros para consigo no ambiente de  trabalho por ser mulher? 

É curiosa a pergunta e tenho pensado sobre isso. Costumo dizer que nunca senti na pele essa diferença, felizmente sempre estive envolvida em projetos profissionais que priviligiavam o mérito, a experiência e os resultados, e não o facto de se ser homem ou mulher. No entanto, conheço várias situações em que a realidade não é esta, com casos contados na primeira pessoa. Às vezes são pequenas coisas que se dizem, apenas para dar um exemplo, o tratamento por “minha querida”, por parte de um superior hierárquico, é algo que me tira do sério. Porque normalmente não se ouve o “meu querido”… Ou quando numa 6a feira à tarde se ouve: “ela está cá e pode cá estar porque não tem família”.

E quando a discriminação vem de outra mulher? Assunto pouco falado, mas nesta “guerra dos sexos”, algumas mulheres posicionam-se no sentido de serem muito punitivas com outras mulheres, obrigando-as a “escolher” entre a carreira e a família. A maternidade, as doenças e o acompanhamento dos filhos são episódios que muitas vezes marcam pela negativa o tratamento a uma mulher. Até porque se é o pai que decide levar o filho ao pediatra também fica mal visto no filme – “a criança não tem uma maé que a leve ao pediatra?” ouvi eu dizer…

De várias conversas que tenho sobre este assunto, percebe-se somos nós mulheres que, nalguns casos, temos um comportamento mais subserviente, que resulta da nossa própria educação e cultura (embora eu não considere que isto sirva de desculpa, antes de contextualização). Queremos tanto agradar e ser agradáveis, temos tanto medo de falhar, que perdermos audácia e coragem  – passando ao lado de oportunidades de fazermos ouvir a nossa voz e de expressarmos a nossa opinião. Somos óptimas impostoras e também contribuímos para algumas das situações com as quais nos deparamos.

 

Acha que é mais fácil liderar uma equipa sendo homem ou mulher? 

Será sempre mais fácil liderar quando temos essa vontade (não é algo que nos é pura e simplesmente imposto) e reunimos as competências para tal. Creio que a facilidade em liderar advém mais das competências que se tem (e da confiança que daí resulta) e da equipa que se lidera, do que propriamente do facto de se ser homem ou mulher. Reconheço, ainda assim, que as mulheres poderão ter um estilo de liderança mais empático – embora não se possa generalizar. Homens e mulheres são biologicamente diferentes, mas todos nós somos diferentes. Conheço mulheres “duras” e homens de “coração mole” (entra o estereotipo que eu queria evitar).  Ser uma mulher a liderar uma equipa só de homens ou só de mulheres é diferente, pois são cargas emocionais distinta, mas ambas exigem muito pulso, consoante as “personalidades” que encontramos – ganha o jogo quem tiver a inteligência de “saber dançar consoante a música”, quem tiver a maior perspicácia mental e emocional. O que importa, creio eu, é mostrar carácter, credibilidade e seriedade e, no caso das mulheres, principalmente quando se é mais jovem, parece ser mais difícil “marcar uma posição” que seja reconhecida e aceite. Oiço muitas jovens com esta questão: como mostrar que se é de confiança, não obstante a juventude?

 

Sente que teve de se esforçar mais para atingir o cargo que ocupa por ser mulher?

Acredito que nós, mulheres, carregamos um peso extra sobre os nossos ombros porque quando queremos vingar profissionalmente também o queremos fazer do ponto de vista familiar. Gerir trabalho, família, vida pessoal e sempre aspirando à perfeição coloca muita tensão sobre nós. Admito que esta perspetiva exige mais esforço.

O não querermos falhar nem desiludir quem está à nossa volta ( nós próprias!) provoca esta ansiedade e uma necessidade de se trabalhar mais. Associando também à necessidade de alguma validação externa, que a dado momento (pela idade ou por se tratar de um novo projeto pode surgir. No fundo, há aqui também o tema da auto-confiança e de conseguirmos provar ao mundo que conseguimos fazer aquilo a que nos propusemos.

 

Algum conselho que gostaria de deixar para as jovens mulheres que entram no mercado  de trabalho? 

Sim, gostava de mencionar a importância do mentoring e do networking, na fase inicial da carreira. Hoje em dia, há várias iniciativas e organizações (sem ser a entidade patronal) às quais se pode recorrer. Dou o exemplo da PWN Lisbon (Professional Women’s Network), que para mim em 2013 (embora não sendo assim tão jovem…) me ajudou a desconstruir um conjunto de ideias, me capacitou em liderança e comunicação e me permitiu alargar a minha rede de relacionamentos (e não meramente contactos), descobrindo outras pessoas para as quais o tema do desenvolvimento profissional era crítico. Passados quase dez anos, tenho competências, ferramentas e pessoas que fizeram toda a diferença. Esta organização desenvolve programas de mentoring, liderança, workshops sobre temas relevances e eventos de networking, essencialmente de partilha. Também as Universidades estão sensíveis a estes temas e as redes de antigos alunos têm dado cartas nestas áreas.

Em suma, não se isolem, criem e desenvolvam redes de suporte e de networking. Outras pessoas estão a viver os mesmos desafios e através da partilha de experiências e de comunicaçao efetiva os assuntos podem ser tratados em segurança.

 

Em que pontos considera que Portugal ainda tem de evoluir para que sejamos um país  com uma sociedade com total igualdade de género no mundo laboral?

Gostava de acreditar que esse dia vai chegar, embora ainda sejam precisos vários anos. Há trabalho a fazer. As quotas podem ser um instrumento a utilizar no curto prazo, mas o trabalho tem de ser feito a nível mais profundo, das mentalidades, não só do ponto de vista pessoal mas também culturalmente falando.

Diria que temos de começar por nós, enquanto indivíduos, homens e mulheres, através de uma atuação que se paute por rigor e por resultados. Assumindo as rédeas da nossa capacitação. Não aceitando determinadas situações. É importante falar sobre os temas, num discurso de responsabilização e não de vitimização. Não falar ou evitar os elefantes na sala” não vai produzir frutos. Creio que tem de se ter um discurso de integração e de diversidade e de inclusão, em toda a plenitude – não apenas na igualdade de género. Quem não se recorda da capa de início do ano do Jornal de Negócios? Totalmente masculinizada.

Do lado das empresas e das organizações há também um papel a desempenhar. Temas com o enviesamento insconsciente têm de ser trazidos para a Agenda. A formação dos colaboradores asume um papel relevante e não pode ser apenas para se cumprir a obrigatoriedade das 40 horas anuais legalmente exigidas. A questão das mulheres na tecnologia (e mais alargadamente da necessidade da sua educação/formação em STEM) e como esta pode ser um catalisador neste processo – mérito para organizações como a Women in Tech Portugal. 

Ao nível societal, a sociedade portuguesa, ainda paternalista, tem de se reposicionar. Instituições governamentais e várias associações têm trabalhado neste sentido. Do lado do Governo, por exemplo, o Programa “3 em Linha” apresenta como objetivo promover um maior equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar (as 3 espefas), como condição para uma efetiva igualdade entre homens e mulheres e também para uma cidadania plena. Ou seja, este é acima de tudo um tema de cidadania.

O caminho faz-se caminhando, e cada um de nós deve fazer-se à estrada.

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